16 de agosto de 2011

Sobre rastafaris, tribais e gravatas

Tommaso Russo
O negócio das centrais de telemarketing (ou Call Centers em linguagem mais contemporânea) é a prestação de serviços de vendas, atendimento a clientes e outras atividades correlatas à comunicação à distância. Esse trabalho é contratado por bancos, financeiras, casas de caridade, varejistas, empresas de telefonia, etc.
É também um negócio que depende basicamente de milhares de pessoas (ou pelo menos da voz das pessoas). Quando somos abordados por um desses incompreendidos profissionais, avaliamos a simpatia, modulação da voz, interesse, qualidade do script e correção do vernáculo falado. Mas dificilmente nos preocupamos com a aparência de quem está do outro lado da linha ou do chat, até porque é absolutamente irrelevante para um bom ou mau serviço.
Lógica de baby boomer, que já puxou muita areia no caminhãozinho. Afinal, a cada nova “geração”, ídolos diferentes mandam nos jovens, e os jovens emulam a aparência deles. Modismos. Eu mesmo, apesar de atualmente servir apenas como ponto de referência no meio da multidão, já ostentei longos cabelos à la Arnaldo Batista (com o qual, confesso, me parecia um pouco, exceto pelos óculos de fundo de garrafa de Crush – meus, não do Arnaldo). Era de certa forma, um desafio à rigidez – para nós, sem sentido - de minha escola secundária.
Vítima dos olhares de esguelha de meus tios (como você deixa teu filho andar desse jeito?), eu, no entanto, não mudara. Mesmas qualidades e mesmos defeitos de quando usava cabelos com corte Americano Alto. Aliás, por questão de coerência interna, qualidades e defeitos que tenho até hoje, mesmo sem cabelo nenhum.
Não é que agora – em 2011 - me deparo, em um trabalho de consultoria, com exigências de contratantes de call centers a respeito da aparência das operadoras e operadores? Dreadlocks, não pode. Brincos, não pode. Tatuagens, não pode. Barriga de fora, de jeito nenhum. Bermuda, nem pensar.  Para telemarketing, Cristo Santo!  E os que não se encaixam nesses perfis eugenistas, fora!
Não são todas as empresas que podem ter em seus quadros apenas mauricinhos que se vestem de grife. Ou que funcionários de paletó risca de giz de alfaiate e gravata de seda italiana (e sem barba!) passam a imagem de uma empresa séria e sólida, mesmo que as irão quebrar na próxima esquina (às vezes levando nosso dinheirinho junto). Qual é mesmo o perfil da geração que está entrando no mercado de trabalho, e que será a única disponível nos próximos anos? Alôôô...
Prestei serviços em empresa de publicidade e propaganda. Me perguntavam porque eu me vestia daquele jeito (camisas de manga comprida e calças de tecido), se eu ia mesmo fazer um tatoo tribal... Os caras (muito competentes, alguns brilhantes) trabalhavam de bermuda e chinelo de dedo. Sinceramente, tive inveja.
Trecho de entrevista de Roberto Shinyashiki à revista Isto É:
- Por que (a hipocrisia já predomina no mundo corporativo)? 
Shinyashiki - O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento: é contratado o sujeito com mais marketing pessoal.  As corporações valorizam mais a autoestima do que a competência.
Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça, que respondia a todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. (Eu) disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei-a na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.
(...)
- Temos um modelo de gestão, que premia pessoas mal preparadas? 
Shinyashiki - Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função, para a qual não está preparado.
Um pouco de cultura inútil:
 “Por volta do ano 1635, cerca de seis mil soldados e cavaleiros vieram a Paris para dar suporte ao rei Luis XIV e o Cardeal Richelieu. Entre eles, estava um grande número de mercenários croatas. O traje tradicional destes soldados despertou interesse por causa dos cachecóis incomuns e pitorescos enlaçados em seu pescoço. Os cachecóis eram feitos de vários tecidos, variando de material grosseiro para soldados comuns a seda e algodão para oficiais”. Os franceses, logo se encantaram com esse adereço elegante e desconhecido, que chamaram de cravat, que significa croata. O próprio rei Luis XIV ordenou que seu alfaiate particular criasse uma peça semelhante ao dos croatas e que a incorporasse aos trajes reais. (Wikipedia).
Divisas de guerreiros alienígenas bárbaros...
Nas Filipinas (país colonizado por europeus), os trajes formais incluem uma espécie de bata, de algodão branco com finíssimos bordados e gola aberta tipo Mao, bem engomada. Sem qualquer coisa que lembre um paletó. Bastante adequados para um país quente, não? E os empresários filipinos que tive a sorte de conhecer eram tão bons quanto os nossos melhores executivos.
Falta de escola e educação, os males do Brasil são. Só isso.

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