Tommaso Russo
3 de novembro de 2015
Planos de Assistência Médica nas empresas caminham para a UTI
Tommaso Russo
Uma das utilidades das crises é chamar a
atenção para gastos que, em tempos normais, são tratados como “naturais” nas
organizações (tais como impostos).
Estamos falando dos custos dos planos de saúde,
que têm atingido de forma incontrolável os gastos com pessoal. Em média, já
representam mais de 11,5% da folha de pagamento, segundo dados da Marsh e como
estão crescendo mais que inflação (da ordem de 8% acima do INPC nos últimos
anos).
As causas do crescimento dos custos estão no
excesso de utilização, mas principalmente, na evolução dos custos médicos
propriamente ditos. O preço dos medicamentos é função direta da variação do
dólar, um sem número de ações judiciais que exigem cobertura de itens não
contratados, ampliação cada vez maior do rol de coberturas por parte da ANS,
aumentos salariais das equipes de saúde acima da inflação, excessiva
interferência governamental, etc. Ou seja, desequilíbrios que vão aumentando,
esquecendo que alguém pagará a conta.
Essa situação já estava desenhando-se há pelo
menos 5 anos, mas não despertava maiores cuidados, devido à boa forma
financeira das empresas.
Muitas vezes por falta de gestão apropriada no
passado, atos heroicos por parte das empresas aparecem ao tomarem conhecimento
dos pleitos de aumentos dos prêmios pleiteados pelas operadoras de saúde. Grandes
consultorias em saúde como a AON estimam que quase a metade de seus clientes
vem solicitando estudos para a redução de custos. Em sua maioria, concentram-se
nas seguintes ações:
Troca do plano atual por outros mais baratos, oferecidos pela mesma
operadora ou por outras mais “populares”.
Introdução da coparticipação para planos que não a
possuíam, possibilitando uma dedução de 8 a 12 % nos custos, pelo menos no
início da adoção. Em geral, esse efeito vai diminuindo com o tempo.
Rebaixamento de categoria da rede credenciada, principalmente
hospitais e laboratórios: destacam-se as operadoras que administram os próprios
hospitais e com centros próprios de consultas médicas.
Eliminação de contribuição fixa pelos usuários (apenas a
coparticipação em sinistros), eliminando-se a obrigatoriedade de cobertura para
aposentados e demitidos, grandes causas de sinistralidade nos planos.
Em sentido oposto, aumento da parcela fixa de contribuição
dos usuários,
principalmente para dependentes. Em alguns casos, os dependentes pagam 100% do
valor do plano ou são excluídos da cobertura. Na medida em que praticamente não
mais existem planos familiares sendo comercializados, há enorme dificuldade por
parte dos titulares em obter um plano para seus dependentes.
Em muitos casos, o problema apenas está sendo
empurrado para frente, já que não existem perspectivas de solução a curto e
médio prazo. A diminuição da massa de pessoas cobertas diminui pela
incapacidade de pagamento das famílias, aumentando os riscos, o que gera menor
ganhos de escala e maiores custos para as operadoras. Tratamentos cada vez mais
longos e mais caros são oferecidos para doenças que eram incuráveis e a
sobrevida de pacientes com câncer e outras doenças degenerativas aumenta a cada
nova descoberta da medicina. Tudo isso custa.
Ou seja, as empresas começam a fazer novas
perguntas ao RH (e o que o RH deve saber responder), prevendo situações ainda
mais críticas:
Podemos simplesmente
cortar os planos de saúde? (Como se trata de um benefício não
obrigatório, esse benefício pode ser retirado, desde que o contrato dos
funcionários não especifique o contrário, segundo a ANS. Mas deve ser feito
para toda a carteira e não individualmente. Segundo advogados, cabe reclamação
na Justiça do Trabalho e os sindicatos não deverão aceitar a situação
passivamente).
Uma empresa pode "rebaixar" o
plano dos funcionários a qualquer momento? Tirar instituições de ponta deixando
apenas as médias? (O
plano coletivo empresarial é oferecido a um empregado e é, normalmente de livre
adesão. O contrato e a forma de reajuste são definidos entre a empresa e a
operadora de plano de saúde. A empresa pode decidir mudar as condições do
plano, e o beneficiário pode optar por permanecer ou não no novo contrato.
Essas mudanças devem ser feitas à época da renovação da apólice ou na
contratação com nova operadora).
Uma empresa pode, a qualquer momento,
inserir modelo de coparticipação, em que o funcionário é cobrado por parte da
consulta?
(Para os planos coletivos empresariais, a forma como
o benefício vai ser ofertado é uma deliberação da empresa e pode ser alterada
no momento da renovação, com a modificação do plano, ou se houver nova
contratação. Para que haja a inclusão da coparticipação, é necessária a
contratação de um novo plano pela empresa contratante).
Até quanto a empresa pode cobrar
coparticipação?
(Não pode haver
financiamento integral do procedimento por parte do consumidor nem restrição
severa ao acesso aos serviços. A cobrança da coparticipação pode ser feita em
valores fixos ou percentuais, aplicáveis a cada procedimento. Para internação
hospitalar, porém, a cobrança não pode ser feita em valores percentuais, só
fixos).
O exemplo da recente quebra da UNIMED
Paulistana e os efeitos que trouxe a seus associados ilustra bem o que a
somatória de má gestão médica e financeira, preços irrealmente represados pela
ANS nos planos familiares e falta de foco nos sinistros pode resultar na estrutura
da medicina suplementar brasileira.
As maiores operadoras de planos saúde
existentes hoje ou são fundo de investimentos estrangeiros ou pertencentes a
grupos seguradores ou bancários, com forte tendência de aquisição dos ainda
independentes. Na medida em que as
obrigações do Estado no tocante à saúde foram terceirizadas para mais de 40
milhões de brasileiros, nosso futuro dependerá de taxas de retorno de capital
que esse negócio propiciará para os acionistas.
Existe um divertido jogo chamado roleta
mexicana, variação em grupo da roleta russa. Três pessoas, cada uma devidamente
armada, aponta seu revolver para a cabeça de um dos oponentes. Ganha o jogo
quem tem a chance de dar o segundo tiro. Aguardemos o primeiro disparo.
Referência: Jornal Folha de São Paulo - Caderno de Mercado - 25.10.15
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